Seção Match Frame – Karen Akerman

24.fev.14 | Karen Akerman é entrevistada do mês da coluna Match Frame. Alguns filmes recentes montados por Karen são os premiados “O lobo atrás da porta”. “Morro dos Prazeres” e “Contos da Maré”. Além de montadora, Karen é também diretora.

karen

1)   Fale sobre o projeto em que você está trabalhando atualmente.

 Estou em fase final de montagem de um longa –  “Aqui deste lugar”, dirigido por Sérgio Machado e Fernando Coimbra. O ponto de partida do documentário é: quem são as pessoas que recebem o Bolsa Família? Como e porque recebem? Em estilo “cinema direto”, a câmera observa a rotina dos Centros de Referência de Assistência Social (Cras), acompanha as Buscas Ativas e seus detalhados questionários. Após ouvir e conhecer umas tantas pessoas, habitantes das cinco regiões do país, três famílias foram escolhidas. O filme, então, entra na casa destas famílias, e vai, como a quarta parede, contemplar o cotidiano.

Estou também iniciando um filme dirigido por mim em parceria com Miguel Seabra Lopes – “Confidente” – que está sendo integralmente criado na montagem. Fizemos uma vasta pesquisa no acervo do Arquivo Nacional, e vamos construir, através de uma narrativa experimental, um sistema paranoico de repetição visual e sonora para atingir o retrato patológico de um homem.

 2)   Qual foi o trabalho que significou o maior desafio em sua carreira e explique o porquê.

Ainda guardo como grande desafio dois filmes que montei recentemente.

“O Lobo Atrás da Porta”, do parceiro de longa data Fernando Coimbra. Por transitar pela suspense para narrar dois pontos de vista diferentes da mesma história, o filme ganha diversas camadas de interpretação. No roteiro já estava bem delineada essa linguagem, mas foi na montagem que construímos o desenho final para enaltecer os climas e ganhar em tensão.

O documentário “Morro dos Prazeres”, primeira parceria com uma diretora que admiro muito – Maria Augusta Ramos. A premissa era a recente instalação de uma UPP na comunidade do Morro dos Prazeres, em Santa Teresa. Seguindo o estilo dos filmes anteriores da diretora, onde nunca fica totalmente claro o que de fato aconteceu e o que foi provocado – pelo rigor do posicionamento da câmera e pela própria construção de personagens – o filme trata do conflito entre os moradores e os policiais, que de repente chegam e interferem de forma intrusiva no cotidiano. Foi o trabalho mais angustiante que já participei. Estávamos ali numa situação limite, tentando buscar um equilíbrio entre as partes, tentando não julgar, já que a montagem buscou revelar os seres humanos que estão metidos neste conflito, aparentemente sem soluções.

 3)   As recentes mudanças tecnológicas tiveram algum impacto sobre a sua forma de pensar a montagem e de trabalhar?

Não existe nada mais charmoso que a moviola, mas devo admitir que me apaixonei quando conheci o Avid. Me sentia poderosa operando aquela máquina grande, rodeada por placas, decks, mixers, monitores, onde tudo acontecia de forma eficaz e veloz. Algum tempo depois, apesar de certa resistência, migrei para o Final Cut, como todos migraram. E, atualmente, adoro ter o meu final cutzinho em casa. Ou seja, a gente se adapta.

 4) Indique um filme cuja edição você admire e explique o porquê.

Todos os filmes que vi do Alain Resnais, por trabalhar a repetição e a cadência; alguns filmes do Godard, pela montagem filosófica e de invenção; Outubro, do Eisenstein, pela montagem intelectual e visionária. Para não dizer que só falei dos clássicos, recentemente assisti no cinema um filme cuja montagem me chamou a atenção: L’inconnu du Lac (em português traduzido como “Um Estranho no Lago”), de Alain Guiraudie. Pelo rigor nos cortes e precisão no ritmo, é a montagem invisível.

 5) Como você acha que a associação pode contribuir para a nossa categoria? Você já notou alguma mudança? Tem alguma sugestão?

A edt representa o fim da solidão na sala escura, no pântano dos formatos e codecs, na guerrilha sem lei do mercado. E isso é só o começo.